quinta-feira, 27 de junho de 2013

Café Europa: Emissão #77, de 24 de Junho de 2013

1.ª Hora
01. PHILIP GLASS - "Knee Play 5" (USA)
02. PHILIP GLASS - "Opening" (USA)
03. PHILIP GLASS - "A Gentleman's Honor (vocal)" (USA)
04. PHILIP GLASS - "Forgetting" (USA)
05. STEVE REICH - "Music for 18 Musicians (Pulses + Section I & II)" (USA)
06. STEVE REICH - "The Desert Music - 4th Movement" (USA)
07. TERRY RILEY - "In The Summer" (USA)
08. TERRY RILEY - "In C (excert)" (USA)
2.ª Hora
01. MICHAEL NYMAN - "The Disposition Of The Linen" (GB)
02. MICHAEL NYMAN - "Memorial" (GB)
03. MICHAEL NYMAN - "Franklin" (GB)
04. WIM MERTENS - "Humility" (BEL)
05. WIM MERTENS - "The Fosse" (BEL)
06. WIM MERTENS - "4 Mains" (BEL)
07. WIM MERTENS - "Struggle For Pleasure" (BEL)
08. ARVO PÄRT - "Es Lang Vor Langen Jahren (For Alto, Violin And Viola)" (EST)
09. ARVO PÄRT - "I Am The True Vine" (EST)
10. JOHN ADAMS - "Hoodoo Zephyr" (USA)
Philip Glass

Steve Reich

Terry Riley

Michael Nyman
Wim Mertens

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Café Europa: Emissão #76, de 17 de Junho de 2013

1.ª Hora
01. SALA DELLE COLONNE - "Al Tronco Sferzato Dal Vento" (IT)
02. LEGER DES HEILS - "Stirb Und Werde" (USA)
03. ORDO ROSARIUS EQUILIBRIO - "From Copenhagen With Love” (SWE)
04. ONIRIC - "Tomorrow the Sorrow" (IT)
05. BARBAROSSA UMTRUNK - "Le Pays Perdu » (FRA)
06. PALE ROSES - "La Chapelle Des Marais” (FRA)
07. BARBAROSSA UMTRUNK - "Gwer Nemeton” (FRA)
08. PALE ROSES - "Have You Been Here Before?” (FR)
09. BARBAROSSA UMTRUNK - "A L'Ombre Des 7 Cromlechs“ (FR)
10. PALE ROSES - "Le Village Assasin" (FR)
11. BARBAROSSA UMTRUNK - "Le Secret Du Marécage“ (FR)
12. STORMFAGEL - "Skördermannen“ (SWE)
 2.ª Hora
01. LES JUMEAUX DISCORDANTS - "Eterna Mutazione" (IT)
02. FIRST HUMAN FERRO feat. ALBIREON - "Old Friend At Dusk" (UKR/IT)
03. PALE ROSES - "Montague Rhodes James" (FR)
04. PALE ROSES - "Gates Of Hell” (FRA)
05. BARBAROSSA UMTRUNK - "Cantlon Vindoseni” (FRA)
06. PALE ROSES - "La Nativité Julienne” (FR)
07. BARBAROSSA UMTRUNK - "Les Chavaliers de L'Apocalypse “ (FR)
08. BARBAROSSA UMTRUNK - "La Grande Courtisane” (FR)
09. BARBAROSSA UMTRUNK - "Arehisosur” (FR)
10. BARBAROSSA UMTRUNK - "Rundgang Um Die Transzendentale Säule Der Singularität (Burzum cover)” (FR)


Café Europa apresenta: BARBAROSSA UMTRUNK & PALE ROSES ‎– "La Clairière Des Eaux Mortes"

 

BARBAROSSA UMTRUNK & PALE ROSES - "La Clarière des Eaux Mortes", Old Europa Cafe - OECD 174CD, limited edition, digipak (França), 2013
Raoul de Warren foi um escritor arstocrata francês do século XX, que se notabilizou na área da historiografia e da genealogia. Advogado, foi presidente da Comissão Nacional para a entreajuda da Nobreza Francesa, o que de certa forma estipulava de imediato um certo carácter para a sua escrita – elitismo, identidade nacional, em suma, “Vieille France” pura e dura. Mas de Warren foi muito mais que isso; à parte a sua longa bibliografia de Genealogia, História da Monarquia Francesa e Heráldica, área em que acumulou o cargo de secretário-geral da Federação Francesa de Heráldica, de Warren foi um criativo romancista do mistério e do oculto. A natureza por vezes ostensivamente iniciática da sua obra remete para a dimensão de história oculta que frequentemente condimentou o imaginário nobiliárquico francês nas extensas zonas de província, onde a beleza natural ganhou sempre contornos anímicos, mágicos e até mediúnicos/xamânicos.
Entre as suas obras mais conhecidas estão “ O enigma do morto-vivo ou o Mistério da Natividade Juliana”, “A Besta do Apocalipse”, “ A Aldeia Assassina”, “Gelo e Neve, Deus seja Louvado”, “A Clareira das Águas Mortas” e “ As Portas do Inferno”, entre outras. E é exatamente sobre esta penúltima, “A Clareira das Águas Mortas” que recaiu a escolha conjunta dos projetos franceses PALE ROSES e BARBAROSSA UMTRUNK, para um título de álbum homenagem à figura de Raoul de Warren.
E em boa hora chegou, numa altura em que toda a mística da Tradição Europeia parece esboroar-se sob o “Europa-masterplan” financeiro de origem duvidosa que nos consome, como metáfora da imagem da própria União Europeia, também ela transformada em clareira de águas mortas…
Os PALE ROSES serão menos conhecidos no nosso país do que os já “lendários” BARBAROSSA UMTRUNK; o trio de Arnaud Spitz é uma aposta de surpreendente qualidade, numa expressão musical folk ou por vezes neo-clássica, assente sobretudo através do uso de pianos, cordas e flautas, o que parece quere fazer a ponte entre o legado de Nick Drake e o misticismo iluminado dos Current 93, de tempos que já lá vão.
A sua homenagem a Raoul de Warren neste split com BARBAROSSA UMTRUNK, resume-se a apenas cinco temas, que aparecem nas entremeias dos temas liderados pelo Barão de Von S. Mas Arnaud detém vários traços que o destacam intensamente deste quadro vivo de mistério e oculto – uma voz que insinua apenas superficiais influências “drakeanas”, mas também outras provenientes sobretudo de “cantautores franceses setentistas” como Leo Ferré e sobretudo dos momentos mais calmos de Christian Decamps, dos velhos progressivos franceses Ange, nomeadamente nalgumas passagens narrativas dessa obra mágica dos Ange que foi “Émile Jacotey”. É curioso, porque a tonalidade bucólica misteriosa da obra dos Ange, sobre as histórias de um velho contador de província chamado Emile Jacotey, parece “casar” estranhamente com o ambiente desenvolvido no presente pelos PALE ROSES e pelos BARBAROSSA UMTRUNK, até mesmo em certas passagens da voz de Baron Von S, a persona enigmática por detrás dos BARBAROSSA UMTRUNK.
Voltando ao álbum, “La Clairière des Eaux Mortes”, os BARBAROSSA UMTRUNK têm aqui a parte de leão – são 45 minutos de adaptações de textos de Raoul de Warren, do seu imaginário fantástico, orquestradas num registo até menos ambicioso do que aquilo a que já nos habituaram, mormente em álbuns como “Regnum Sanctum”, “Kosmogonie Glaziale”, “Wolf Dharma” ou mesmo nos mais recentes “Agharti” e “Der Talisman des Rosencreuzers”. No entanto, essa vertente menos bombástica e fantasticamente minuciosa patente nas obras anteriores, não descaracteriza o estilo BARBAROSSA UMTRUNK – as montagens sonoras estão lá, só que mais atmosféricas, mais esfumadas entre o mistério constante das palavras de de Warren, declamadas sabiamente pelo Barão.

Não será talvez demais repetir a importância dos BARBAROSSA UMTRUNK no actual panorama francês da música moderna de vanguarda – se no início eram apontados como descendentes estilísticos de LES JOYEAUX DE LA PRINCESE e de REGARDE EXTRÊME, o passar dos anos revelou um projecto muito mais além de tais propostas, porque intensamente mais literário, ao passo que o interesse histórico-jornalístico de L.J.D.L.P. poderá eventualmente ter-se datado, e a paisagens neo-clássicas de REGARD EXTRÊME esgotado nos seus fraseados minimalistas. Se o ceptro do industrialismo francês esteve em tempos entregue nas mãos de nomes como ICK, PPF e NOCTURNE, pelas razões de luta e persistência, a emergência no espaço de uma década dos BARBAROSSA UMTRUNK é nada mais que justiça feita à imaginação quase febril de um homem que nunca deixou de acreditar nas potencialidades da tecnologia contemporânea aliadas à Poesia e à Tradição. O Baron Von S não tem feito outra coisa desde que o conhecemos através da faixa “Elixir Gaulois” na velha compilação “Brewery in Piotrkow Trybunalski” (já aqui apreciada há umas emissões atrás). No entanto, não está só – acompanham-no Dru-wid Sagos, aliás Marc-Louis Questin, também o alemão Sven Phalanx dos SCHATTENSPIEL, assim como as suas duas pequenas filhas que narram parcialmente “Gwer Nemeton”.

Outra ressalva a fazer é a de que, apesar do álbum, como tributo, ter o título de um dos romances obscuros de Raoul de Warren, “A Clareira das Águas Mortas”, não incide somente sobre essa obra; são referidos nos outros temas, livros como “Le Village Assassin”, “Gates of Hell”, “La Nativité Julienne”, visão de conjunto alimentada com o contributo de entrega destes músicos visionários, que dão som ao que outrora só era transmissível pela palavra escrita de de Warren.
Os 7 temas de BARBAROSSA UMTRUNK contrastam assim de suave modo, com os restantes cinco dos PALE ROSES, assegurando ao disco uma diversidade que é bem-vinda, que está em perfeita sintonia com a toada misteriosa e algo mediúnica deste tributo – temas mais doces, embora enganadores pela natureza par do seu número de ordem (enganadores como o morto de uma das novelas de Raoul de Warren), canções perfeitas para serões em cozinha de província, ao canto da lareira enquanto as crianças espevitadas pelo fogo, fazem mais perguntas sobre estórias insólitas.
Em suma, uma excelente forma de apresentar os talentos destas duas agremiações francesas e, em nome da preservação dos grandes nomes da cultura Europeia, fazer a apologia de um grande escritor quase esquecido. Esquecido em detrimento da grande mentira hollywoodesca que avassalou o mundo, mas que haverá de perder perante o poder da palavra escrita feita pensamento, tal como a Grande Cortesã (e o seu aliado anão) citada a propósito do livro de de Warren “La Bête de l’Apocalypse”, numa leitura dramatizada por Baron Von S..

Os BARBAROSSA UMTRUNK já tem mais discos na calha, dos quais se destacam “La Fraternité Polaire”, que deve estar a sair e também o projectado split com “Le Revers Sanglant”, assim como disco cuja preparação já foi encetada há meses e que receberá o título de “La Fosse de Babel”. Recentemente, à falta de um saíram três, “Der Talisman des Rosenkreuzer”, este “La Clairière des Eaux Mortes” e o split com os ESCUADRON DE LA MUERTE, “Bautismo de Fuego”, mais uma vez dedicado à poesia e misticismo de Miguel Serrano. Como se vê, uma operação Barbarossa que não se detém com nada. Os livros de Raoul de Warren são editados em França pela L’Herne, soft bound paperback.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Café Europa: Emissão #75, de 10 de Junho de 2013

1.ª Hora
01. MADALENA IGLÉSIAS - "Ele e Ela " (PT)
02. MLER IF DADA - "Ele e Ela. E Eu " (PT)
03. ANAMAR - "Amar por Amar" (PT)
04. POP DELL'ARTE - "Máscara" (PT)
05. SANTA MARIA GASOLINA EM TEU VENTRE - "Ezra Pound e a Loucura" (PT)
06. JOVEM GUARDA - "Levante II" (PT)
07. CROIX SAINTE - "The Life Of He" (PT)
08. MÃO MORTA - "Até Cair" (PT)
09. RONG WRONG - "Estranho Prazer" (PT)
10. IK MUX - "Novo Estado Novo" (PT)
11. ERROS ALTERNADOS - "Qes" (PT)
12. BROTO VERBO - "Poeta sem Ode" (PT)
13. REPORTER ESTRÁBICO - "Eurovisão" (PT)
14. ANTÓNIO VARIAÇÕES - "Quem Feio Ama" (PT)
2.ª Hora
01. OCASO ÉPICO - "Tinto If" (PT)
02. G.N.R. - "I Don't Feel Funky (Anymore)" (PT)
03. M'AS FOICE - "Ermengarda" (PT)
04. CORPO DIPLOMÁTICO - "Férias" (PT)
05. LINHA GERAL - "Em Céu Aberto" (PT)
06. REQUIEM PELOS VIVOS - "Canção da Desfolhada" (PT)
07. SÉTIMA LEGIÃO - "O Canto e o Gelo" (PT)
08. BYE BYE LOLITA GIRL - "Sem Palavras Para Ti" (PT)
09. BAILE DE BADEN BADEN - "Chuva de Verão" (PT)
10. DEAD DREAM FACTORY - "Candy House" (PT)
11. CELLO - "Olisipo" (PT)
12. BANDA DO CASACO - "Sétimo Dia" (PT)
13. HORUS CHAMBER - "Estava Escrito, Meu Menino, Estava Escrito” (PT)
Mão Morta
GNR

Photos by A.F.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Café Europa: Emissão #74, de 03 de Junho de 2013

1.ª Hora
01. DEAD CAN DANCE - "Children Of The Sun (live)" (AUS)
02. BLACK TAPE FOR A BLUE GIRL - "A Livery Of Bachelors" (USA)
03. ANTONY AND THE JOHNSONS - "Frankenstein" (USA)
04. DEATH IN JUNE - "Murder Made History (GB)
05. DEATH IN JUNE - "Fire Feast (GB)
06. DEATH IN JUNE - "Peaceful Snow (GB)
07. DEATH IN JUNE - "Life Under Siege (GB)
08. DEATH IN JUNE - "A Nausea” (GB)
09. DEATH IN JUNE - "Wolf Rose (GB)
10. OSTARA - "Transsylvania" (AUS)
2.ª Hora
01. NEAVUS - "Faint Praise" (GB)
02. SPIRITUAL FRONT - "Nectar On Your Lips" (IT)
03. LUX INTERNA - "King Winter” (USA)
04. DEATH IN JUNE - "The Scents Of Genocide" (GB)
05. DEATH IN JUNE - "Red Odin Day" (GB)
06. DEATH IN JUNE - "My Company Of Corpses" (GB)
07. DEATH IN JUNE - "Cemetery Cove" (GB)
08. DEATH IN JUNE - "Our Ghosts Gather" (GB)
09. DEATH IN JUNE - "Neutralize Decay" (GB)
10. DEATH IN JUNE - "Maverick Chamber" (GB)
11. HORUS CHAMBER - "Omnibus” (PT)
Dead Can Dance
Photo by AF

terça-feira, 4 de junho de 2013

Café Europa Apresenta: DEATH IN JUNE ‎– "The Snow Bunker Tapes" (New European Recordings), 2013

Numa célebre entrevista feita há mais de dez anos com os Coil, sem a presença de Jhonn Balance, a qual circula no canal Youtube, o jornalista amador perguntava ao génio de Peter Christopherson se os grupos cuja imagem sempre debitou ambiguidade em catarata sobre a opinião pública, deveriam ou não explicar o porquê de certas opções. Sleazy, jorrando inteligência no olhar e esquivando-se meritoriamente à pergunta, talvez porque já estivesse farto de tanta previsibilidade, respondia que sim, que deveriam, desde que soubessem de antemão que o que traziam ao escrutínio da curiosidade pública provocaria uma reação antagónica e condenatória. É claro que sabemos todos do que se trata. Não que as assumidas orientações individuais de muitos dos músicos desta geração de bandas inglesas alguma vez tivesse interferido no geralmente tolerante quadrante opinativo dos seletivos públicos a que se dirigem – a relação entre Christopherson e Balance nunca afectou os devotos hétero dos Coil, assim como a trivialidade com que Douglas Pearce sempre falou da sua “gayness” fez mais pela causa da compreensão do que qualquer campanha. No entanto, a linha inflexível deste último, em se manter uma espécie de outsider disciplinado e incontactável, granjeou-lhe o estatuto de figura difícil, cheia de asperezas e espinhos, quando se trata de intromissões na sua vida profissional.
Se defendeu-se muito bem no caso da World Serpent ou até mesmo nas audições do Ministério Público alemão, a propósito da natureza e expressão visível da sua obra artística, em tudo o que esta conota de simbolismo adverso ao que os alemães hoje acreditam, o que Douglas Pearce invariavelmente transparece, no relacionamento de trabalho com os outros, é um perfeccionismo a toda a prova, um nível de exigência espartano, quer sobre si, quer sobre os outros, daí a tal “malaise” que diz sentir cada vez que entra em estúdio para gravar uma nova obra de DEATH IN JUNE.    
Para todos os efeitos, com o novo século, Pearce fez uma nova aposta no seu futuro. Vencida a batalha da Serpente Mundial, justiça feita junto dos que o impediram de progredir na carreira, sem ajudas sindicais, sem nada, era necessário redefinir prioridades que agradassem a ambos os lados.
Aos fãs interessava sobretudo “recuperar parte do poder de compra” que a distribuição abúlica da World Serpent tinha feito pura e simplesmente embotar, interessava primeiramente saciar um apetite de mais de uma década, em que os discos de DEATH IN JUNE eram falados mas não apareciam em lado nenhum. Em dez anos tal ausência foi colmatada; para alguns mais puristas, dir-se-á mesmo, em demasia. E é esse sentimento paradoxal que nos traz hoje ao destaque central do Café Europa – “The Snow Bunker Tapes”, o duplo dez polegadas vinil dos DEATH IN JUNE saído com a Primavera de 2013.
Estamos no início de Junho, altura em que a banda celebra o seu trigésimo terceiro aniversário, agora festejado em relativa solidão, já que, oficialmente, Douglas permanece desde 1985 o “único membro do grupo” (por muito absurdo que isto possa soar). “The Snow Bunker Tapes” é a reprise integral dos temas que compunham o disco de formato igual lançado no Verão de 2010, “The Peaceful Snow”, para o qual contou com a participação omnipresente do pianista eslovaco Miro Snedjr.
The Peaceful Snow” tinha sido um disco diferente, um disco incaracterístico dos DEATH IN JUNE, todo ele tocado ao piano por um Miro Snedjr impecável, irrepreensível, perfeccionista também até ao quebrar das unhas, tal qual o seu patrono. A toada “lounge” que o som do piano de Miro conferia à poesia oblíqua e simbólica de Douglas Pearce, fez do álbum uma prova de fogo para recém-chegados e uma prova de fidelidade para os velhos amantes de D.I.J. (salvo-seja!), ou “altekämpfer” (veteranos de guerra), como Pearce gosta de chamar a quem o segue há décadas. Produzir um disco que vai em sentido divergente de uma carreira longa é um acto de coragem e pensamos que a grande maioria do público dos D.I.J. aceitou com grande alegria e apreço esta suave mudança, que imprimiu ainda mais inegável beleza às suas canções. Como se não bastasse, Miro regravou uma vintena de canções antigas em formato instrumental lounge, dando de bandeja a Pearce mais um motivo para facturar rendimento em nome do grupo.
Passaram-se entretanto três anos; não sabemos se Miro ainda é considerado por Douglas Pearce como membro honorário dos D.I.J., mas conhecendo o carácter algo efémero das colaborações que passam pelo crivo do fundador, não é improvável que nunca mais volte a figurar no line-up. Quer isto dizer que a vontade obsessiva de conduzir a sua carreira com irredutível marca pessoal pode ocasionalmente tornar-se factor de perda de oportunidade, para dar continuidade a uma boa ideia.
É compreensível até certo ponto – basta lembrar os tristes episódios passados com o austríaco Albin Julius Martinek, para dar razão ao cumprimento do aforismo popular “mais vale só que mal acompanhado”, mas mesmo assim, no caso de Miro Snedjr seria demasiado forte a irradicação total.
Antes de passarmos a fio os temas regravados em “The Snow Bunker Tapes”, há que ressalvar a acusação a Albin Julius – as confusões por ele provocadas e que prejudicaram bastante a vida aos DEATH IN JUNE e bandas que com eles tocavam ao vivo, não invalidam a qualidade dos discos em que colaborou, nomeadamente “Take Care and Control” e “Operation Hummingbird”, trabalhos de um interesse a toda a prova. Neste caso, foi mais a sua propensão para o dislate e disparate que arruinou a colaboração. Com o “cabo” Miro Snedjr, se o afastamento for definitivo, impõe-se no mínimo uma cruz de ferro de primeira classe.
Consubstanciando o que foi dito atrás, Douglas achou que estava na altura de libertar as gravações iniciais que teriam eventualmente servido de guia a Miro Snedjr para desenvolver as suas interpretações ao piano. Já que as Snow Bunker Tapes seguem o mesmo alinhamento, torna-se relativamente fácil fazer comparações com The Peaceful Snow.
Desde já, após a primeira audição integral chega-se a uma conclusão por demais evidente – se Douglas seguiu uma linha cronológica no alinhamento, então apercebemo-nos que, na sua origem, o álbum foi um “grower”, em que a qualidade das canções, dos seus arranjos simples e acabamentos, se foi apurando.
Dito isto, é também verdade que os temas do primeiro vinil do álbum se tornam algo frouxos perante a beleza e brilho conseguidos pelo pianista eslovaco em The Peaceful Snow. Não que estas versões à guitarra tenham algo em si que as afaste do habitual ritual que Douglas nos impõe, mas comparando com as versões de piano de “Murder Made History”, “Fire Feast”, “Peaceful Snow”, “Life Under Siege”, “A Nausea” e “Wolfrose”, há algo que falha, aparentemente apenas na qualidade de captação sonora, já que a versões totenpop de guitarra não passariam de demos retocadas com algum verniz. Mas não é só.
No entanto, o interesse intimista está lá todo, aquela sensação de reconforto transmitida com a segurança de quem tem a chave do bunker. Questionar-se-á o ouvinte do Café Europa – “Então, o disco é sensaborão?” Nada disso. É o famoso equilíbrio que Douglas gosta de impor, baseando-se no poder da verdade – ao colocarmos a agulha sobre as espiras iniciais de “The Scents Of Genocide”, damos de imediato conta de uma mudança na qualidade de produção e mais garra na reinterpretação. Aliás, o lado 3 é o ponto mais alto desta semi-reedição – seguem-se a fantástica versão totenpop de “Red Odin’s Day”, aqui sim, talvez ainda melhor do que pelas mãos de Miro ao piano, e também “My Company Of Corpses”, que pelo menos iguala a sua congénere de “The Peaceful Snow”.
No último lado, mantém-se este rigor nas terminais “Cemetery Cove”, “Our Ghosts Gather” e “Neutralize Decay”, temas em que a própria interpretação vocal de Douglas se torna progressivamente mais clara, involvente e mais alinhada com o velho álbum de há cinco anos, “The Rule Of Thirds”, disco anterior a “The Peaceful Snow”, de que este “The Snow Bunker Tapes” pretende mas não consegue fazer émula.
Dizermos que se trata de um lançamento falhado dos D.I.J. é um exagero – pretendia-se apenas fazer justiça a estes temas através do seu mais natural e previsível veículo: a voz, a guitarra e algumas percussões de aula de Educação Musical ao sábado de manhã. E nisso Mr. Pearce conseguiu mais alguns pontos para a sua caderneta paramilitar de songwriter esquivo e arredio.
2014 está à porta – e só o futuro o impedirá que este centenário da 1ª Guerra Mundial não traga surpresas na trincheira de “Herr LeutenantDouglas Pearce.
No final, com todas estas expectativas em jogo, enquanto os últimos versos de “Neutralize Decay” nos avisam de que se não neutralizarmos a decadência e podridão, ficaremos sem amanhãs, não podemos evitar um sentimento de que tudo está bem quando acaba bem. Só que ainda não acabou, nem nunca vai acabar. No filme de Spielberg, o actor Ralph Fiennes que se apropria da aura negra do comandante Amon Goeth, promete, a alguns dos prisioneiros, o seu perdão e, enquanto eles vão à sua vida no campo, passam-se alguns segundos de inquietude – de repente, a carabina soa lá do alto e um corpo cai com a cabeça esfacelada. O perdão de quem manda nunca é certo. Albin Julius sabe-o bem. Talvez Miro Snedjr passe no teste.
Texto: João Carlos Silva
Fotos: António Caeiro