terça-feira, 27 de novembro de 2012

Café Europa: Emissão #49, de 26 de Novembro de 2012

1.ª Hora

01. AIN SOPH - "Legionnaire In Algiers" (IT)
02. ARGINE - "Datemi Pace" (IT)
03. ROMA AMOR - "A Cosa Pensi" (IT)
04. ROMA AMOR - "La Guerriera" (IT)
05. ROMA AMOR - "Madrigale" (IT)
06. INNER GLORY - "What Remains Of A Dream" (IT)
07. CIRCUS JOY - "Seta Su Seta" (IT)
08. ONIRIC - "Blessing" (IT)
09. SPIRITUAL FRONT - "Cold Love In A Cold Coffin" (IT)
10. SPIRITUAL FRONT - "Autopsy Of A Love" (IT)
11. ORDO ROSARIUS EQUILIBRIO - "Hell Is Where The Hearth Is - The Gospel Of Tomas" (SWE)
12. TRIORE - "Pleasures & Tortures" (SWE/GER)
13. TRIORE - "Europa's Dream" (SWE/GER)
14. NAEVUS - "Recovery Is Not Permitted" (GB)
15. NAEVUS - "Making Hay" (GB)

2.ª Hora
01. AIN SOPH - "Datemi Pace" (IT)
02. ANDREW KING & THE OVAL LEGIONARY CHORALE - "Legionnaire In Algiers" (GB)
03. THE HARE AND THE MOON - "John Barleycorn" (GB)
04. ROME - "This Silver Coil" (LUX)
05. ELIWAGAR - "Rimnatt" (NOR)
06. ERMO - "Destornado" (PT)
07. LA CHANSON NOIRE - "Uma Cena de Amor" (PT)
08. INNERTHOUGHTS - "I Am" (PT)
09. OM - "State of Non-Return" (USA)
10. ULVER - "Street Song" (NOR)
11. BURZUM - "Surtr Sunnan (Black From The South)" (NOR)
12. STALINGRAD - "Cavalieri Del Tempo" (IT)
Ulver

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Café Europa: Emissão #48, de 19 de Novembro de 2012

1.ª Hora
01. KREUZWEG OST - Fur Kaiser, Gott Und Vaterland (AUT)
02. DEATH IN JUNE / LES JOYAUX DE LA PRINCESSE – Östenmarsch (GB/FR)
03. DEATH IN JUNE - Our Ghost Gather (GB)
04. MYRNINEREST - A Dogstar at a Dog Bar (GB)
05. SOL INVICTUS - Abattoirs Of Love (GB)
06. FIRE AND ICE - Huldra's Maze (GB)
07. KING DUDE - Please Stay (In The Shadow Of My Grave) (USA)
08. OF THE WAND AND THE MOON - I Crave For You (DIN)
09. OF THE WAND AND THE MOON - A Cancer Called Love (DIN)
10. SOLBLOT - Ålderdomen (SWE)
11. MANI DEUM - Blasphemy, The Word (GRE)
12. VAL DENHAM & Ô PARADIS - My Blackest Flowers (GB/ESP)

2.ª Hora
01. HOROLOGIUM - "Père-Lachaise Part I" (POL)
02. HOROLOGIUM - "Père-Lachaise Part II" (POL)
03. FOUNDATION HOPE - "Père-Lachaise Part III" (NED)
04. TRIARII - "Exile (solemm vigil)" (SWE)
05. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Vago Augelleto" (IT)
06. PROJECT WINTER - "Père-Lachaise Part V" (NED)
07. PROJECT WINTER - "Père-Lachaise Part VI" (NED)
08. ARTEFACTUM - "Père-Lachaise Part VII" (POL)
09. LAIBACH - "Under The Iron Sky" (ESL)
10. LAIBACH - "Ballad Of A Thin Man (live)" (ESL)
Ian Read (Fire & Ice)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Café Europa Apresenta: “Pere Lachaise”, split w: Horologium – Foundation Hope – Project Winter – Artefactum, (Steinklang, 2006)

O selo austríaco Steinklang, eficaz promotor da simbiose do radicalismo industrial com a mais depurada forma de neo/dark folk, desenvolveu engenhosamente uma política paralela de edições antológicas, para melhor dar a conhecer os empenhados nomes de catálogo. À parte os álbuns uninominais, foram sendo lançados volumes de compilações da série ST Disco Industries/Distribution, e outras edições split que regra geral obedecem a temáticas. Em 2006, dos últimos anos que registaram procura significativa nesse segmento de mercado, a junção dos polacos HOROLOGIUM aos compatriotas ARTEFACTUM, com a participação dos holandeses FOUNDATION HOPE e ainda dos PROJECT WINTER, todos em “Pere Lachaise”, oito temas ambientais e rituais, à volta das majestosas fotografias de Fabrice Brillard sobre o gigantesco e já então bicentenário cemitério da zona leste de Paris, com 43 hectares, onde descansam os restos mais ilustres de pessoas que obtiveram estatutos de deuses vivos, entre milhares de consumados mortais.
Para quem uma necrópole esmague o coração, não andará longe o efeito conseguido em cada par de temas com que cada projecto contribuiu. É a desolação sublime que se entranha no ritual ambiente e na sua aparente ataraxia estática, conferindo a quase todos os temas esse anzol hipnótico que, acrescido da intensa beleza lúgubre das fotos de Brillard, torna esta experiência no mínimo sempre interessante. A visita ao Pere Lachaise é algo inesquecível e, claro está, acaba quase sempre por cruzar caminhos com os peregrinos ao pequeno túmulo de Jim Morrison, cujo busto toscamente esculpido em pedra, num quase comovente gesto de um admirador, acabou por ser roubado, como de resto o vandalismo dos fãs deixava adivinhar há muito, a julgar pela forma como tratavam as sepulturas, jazigos e mausoléus de desconhecidos ou até mesmo outras pessoas célebres ou mais meritórias que o arruaceiro vocalista e poeta dos The Doors. Com efeito, não é só Morisson que estará alegadamente sepultado em Pere Lachaise. Oscar Wilde, Molière, Honoré de Balzac, Jean de la Fontaine e Marcel Proust chegavam para honrar o talhão dos escritores (embora o cemitério obviamente não siga esta divisão administrativa); depois há pintores como Delacroix ou filósofos como Auguste Comte e historiadores como Michelet, actores como Sarah Bernhardt, Yves Montand, Annie Girardot e Maria Schneider, mas será na secção de músicos e cantores que o elenco fúnebre é ainda mais impressionante, com Chopin, Rossini, Maria Callas, Edith Piaf e o já referido Jim Morrison, entre muitos outros dignos de menção honrosa nesse imenso domínio de paz e glória eternas. Mesmo os que até agora se contentaram com a informação wikipédica e aquela que está contida num flash final do popular e feirante filme de Oliver Stone sobre os Doors, têm, online, uma interessante visita virtual, para realizarem bem a beleza do local.
Sentimento esse que esta súbita agremiação de músicos polacos e holandeses bem conseguiu neste split de 2006 na Steinklang Industries. Os HOROLOGIUM não só conseguem estar iguais a si mesmos, mas vão mesmo além desse registo militarista e áspero a que nos habituaram, apostando mais no seu lado melódico, com um encaixe sensato de teclados melódicos, estáticos mas envolventes e motivadores da senda que se está prestes a encetar. FOUNDATION HOPE surge com sons fantasmagóricos de conversas de intercomunicadores e sintetizadores graves, com uma batida esmagadora e pesarosa, que logo desenvolve largas passagens de teclado em registo de violoncelo e contrabaixo, estendendo-se por largos minutos. É esta habilidade de que falávamos acima, patente em quase todos os grupos de ambiente ritual, que torna a sua produção muito mais do que simples papel de parede obscuro para qualquer que seja a actividade mental humana, adensando o mistério desta visita ao imponente cemitério parisiense. A outra boa surpresa vem do PROJECT WINTER, bem mais alinhado com a matriz noisy de unidades mais antigas como os suecos Deutch Nepal e Archon Satani (em suma o espírito Cold Meat) ou de outras mais recentes como os polacos Atum. Essa linhagem está patente na sequência dos seus dois longos temas que, juntos, ultrapassam majestosamente um quarto de hora, fechando com tema vocalizado à maneira do final da década de 80, por uma fria voz feminina, marcado de novo por uma batida espaçada e opressiva, abrindo caminho para a outra vedeta do split, os polacos ARTEFACTUM, que encerram a visita, de volta aos portões de pedra da entrada de Pere Lachaise. Dizer que estes encerram o álbum da melhor maneira, será gratuito, já que os grupos e projectos anteriores para isso contribuíram, mas é indubitável a eficácia com que os ARTEFACTUM, também em cerca de 15 minutos, tecem a banda sonora para o crepúsculo em Pere Lachaise, minutos depois de os portões terem encerrado, e para o que no imaginário de cada um se desenvolverá, sensação induzida pela tridimensionalidade dos ecos, ruídos e ambientes sonoros indecifráveis que lentamente se esfumam dos speakers.
Seis anos passaram e, entretanto, muita coisa aconteceu através do selo Steinklang. Se calhar, até motivo de justificação para o esquecimento a que foi votado este split álbum; no entanto, aqui uma vez mais se produziu o efeito desejado de fazer da música ritual ambiente um dado para transmissão futura, assegurando o seu estatuto de música perene, e confirmando que este Pere Lachaise fora de factum um bom disco e que a sua aura espectral por detrás da focagem escura não se desvaneceu. De certo modo, a sua passagem pelo Café Europa, reúne as condições para ser considerada até um pouco de reconciliação com este particular domínio da História da Europa, em que os seus mais dignos representantes artísticos há muito já partidos, são indiretamente homenageados, no split a oito mãos Pere Lachaise, pelos HOROLOGIUM, FOUNDATION HOPE, PROJECT WINTER e ARTEFACTUM.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Café Europa: Emissão #47, de 12 de Novembro de 2012

1.ª Hora
01. TOM VERLAINE - "Words From The Front" (USA)
02. THE FEELIES - "On The Roof" (USA)
03. THROWING MUSES - "Green" (USA)
04. THE DREAM SYNDICATE - "Bullet With My Name On It" (USA)
05. GUADALCANAL DIARY - "Trail Of Tears" (USA)
06. REM - "Southern Central Rain (I'm Sorry)" (USA)
07. VIOLENT FEMMES - "Never Tell" (USA)
08. HUSKER DÜ - "Ice Cold Ice" - (USA)
09. THE LONG RYDERS - "Looking For Lewis & Clark" (USA)
10. BIG DIPPER - "A Song To Be Beautiful" (USA)
11. THIN WHITE ROPE - "Red Sun" (USA)
12. SWANS - "Sex, God Sex" - (USA)
13. THE GUN CLUB - "Mother of Earth" (USA)
14. JOHN FOGERTY - "Old Man On the Road" (USA)

2.ª Hora
01. SWANS - "Avatar" (USA)
02. SIR RICHARD BISHOP - "Cross My Palm With Silver" (USA)
03. BONNIE 'PRINCE' BILLY & MARIEE SIOUX - "Loveskulls" (USA)
04. CHANGES - "Early Morning, Hours Of The Night" (USA)
05. PHASE II - "Sweet Lady Fair" (USA)
06. UNTO ASHES - "Night Is Coming Soon" (USA)
07. FAUN FABLES - "Earth's Kiss" (USA)
08. LUX INTERNA - "Rosa Mundi" (USA)
09. THE LINDEBERG BABY - "Cassilda's Song" (USA)
10. CULT OF YOUTH - "New West" (USA)
11. METALLIC FALCONS - "Airships" (USA)
12. CARLA BOZULICH - "Steal Away" (USA)
13. PERFUME GENIUS -"Look Out Look Out" (USA)
13. COCO ROSIE - "Candyland" (USA)
Coco Rosie


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Café Europa: Emissão #46, de 05 de Novembro de 2012

1.ª Hora
01. IANVA – Intro – Colpo Di Maglio (IT)
02. IANVA – La Ballata Dell’Ardito (IT)
03. IANVA – Galleria Delle Grazie (IT)
04. IANVA – Tempus Destruendi (IT)
05. IANVA – Il Bello Della Sfida (IT)
06. IANVA - Edelweiss (IT)
07. ROMA AMOR – Mon Amour (IT)
08. ROMA AMOR – La Concièrge (IT)
09. IANVA – Alta Via (IT)
10. IANVA – Sul Mid Sangue (IT)
11. IANVA – L’Anarca (IT)
 
2.ª Hora
01. KIRLIAN CAMERA – Immortal (camera version) (IT)
02. ROSE ROVINI E AMANTI – Versi Scritti Sul Golfo de Lerice (after shelley) (IT)
03. IANVA – Portatori Del Fuoco (IT)
04. IANVA – Le Stelle E I Falo (IT)
05. IANVA – La Mano Di Glória (IT)
06. BACKWORLD – Come The Bells (GB)
07. OF THE WAND AND THE MOON – A Song For Deaf Ears And Empty Cathedrals (DIN)
08. IANVA – Cancione Dell’Eterna Aurora (IT)
09. IANVA – Della Morte Me Ne Rido (IT)
10. IANVA – Ultima Stazione (IT)
11. IANVA – Nell’Ora Dell’Addio (IT)

Kim Larsen (Of The wand And The Moon)


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Cafe Europa Apresenta: IANVA "La Mano Di Gloria"



IANVA
"La Mano Di Gloria" Digibook CD 2012, Alpha South

O tempo de uma afirmação de carreira é cada vez mais incerto, oiça-se “imprevisível” – regra geral, no chamado mainstream, ou em qualquer círculo mais tangente ao marketing corporativo, leva apenas os dias de empurrar um vídeo absurdo para um qualquer franchising televisivo alegadamente musical, empacotar um perfil, umas digressões de frango de aviário e um ridículo culto de imagem fútil e superficial, juntam-se uns pozinhos de sensacionalismo pretensamente jornalístico, e está encontrada a próxima coisa grande que durará exatamente o tempo de que os agentes predadores acima enunciados levarão até à saciedade. Depois apaga-se o lume, desliga-se o gás, corta-se a luz e cai-se no esquecimento.
Levou de facto algum tempo até os músicos e escritores de canções entenderem realmente o que havia a aproveitar do que a agitação punk trouxe de bom para a música popular – levou-se pelo menos mais de trinta anos a perceber que tudo o que é digno se constrói lentamente e sem grandes saltos para estrelatos cintilantes. Assim aconteceu na altura, com ou sem Kim Fowley, ou Malcolm McLaren, com ou sem Tony Wilson. Os artistas não deveriam depender de usurários dignos de figurarem nos autos de Gil Vicente, nem deveriam esquecer-se de que as suas figuras ainda existem – de resto nas adaptações para teatro escolar dos mesmos autos, a alegada consciência politicamente correcta já está a substituir as figuras do judeu e do usurário pela de um muçulmano bombista, o que é no mínimo um sintoma inquietante. Ao que se chegou!

Serve toda esta argumentação para sublinhar a importância que o fenómeno DIY alcançou na Europa, talvez mais que na América, ao ponto de, a partir do início do novo século, se instaurar na maior parte dos países europeus uma consciência autocrática entre as células artísticas criativas com alguma coisa para mostrar e dizer. Criaram-se editoras que são mais manifestos de inconformidade com o zeitgeist da União Europeia que qualquer outra coisa, mostrando ao mundo, parcialmente atento, interpretações e representações do tabuleiro de xadrez mesquinho em que estamos metidos.
A eterna Itália foi sem dúvida um dos pontos quentes desta revolução e de Génova, a industriosa e portuária antiga república, coração da Ligúria, o grupo musical IANVA, liderado pela figura misteriosa e seca de Mercy, têm vindo a marcar território de modo inabalável e determinado. Desde os meados da década passada, dois álbuns absolutamente envolventes, “Disobbedisco” e “L’Italia : ulttimo atto”, pareceram colocá-los num panorama de grande neofolk orquestral, com nítidas influências paralelas do music-hall italiano dos anos 50 e 60, mas seria deveras limitador considera-los com falta de originalidade. Porque se pode pegar em citações estilísticas e desenvolvê-las ao ponto de as tornar suas – se isso já estava patente nos dois álbuns anteriores, neste último “La Mano di Gloria”, os IANVA entram num novo ciclo apoteótico. Mercy e todos os seus colegas não são aprendizes nem novatos – de proveniências várias ligadas anteriormente a géneros ditos maiores como o jazz, o progressivo e o folk, esta agremiação de grandes músicos profissionais decidiu um dia reunir-se à volta de um conceito mais abrangente e unitário e fazer da sua música um retrato vivo do espírito italiano, assim como do seu periclitante estatuto na conjuntura comunitária europeia.
Ávidos conhecedores da história, retrataram o futurismo da revolução camisa negra, os seus perigos e dissidências em “Disobbedisco”, depois a memória revolucionária vermelha dos anos 70 em “L’Italia Ultimmo Atto”, como se para fazer calar as habituais suspeitas ideológicas vindas nunca se sabe bem de onde, e finalmente apontam para o futuro da União Europeia em “La Mano di Gloria”. Mercy é um hábil escritor, um novelista a sério, e antecipação como género literário não é para qualquer um…
O termo antecipação aplica-se aqui porque a narrativa passa-se em 2029, numa Europa já absolutamente totalitária, mas por um capitalismo distópico, onde literalmente já não é possível viver. Qualquer relação gradual com o presente é totalmente propositada. Se o penúltimo disco era uma descida aos infernos do caos sociopolítico do passado vermelho ao cinzento presente, é chegada a hora de permanecer de novo de pé e sublevar-se contra o status quo, agora implicitamente centralizado num certo país a norte. Esse protesto organizado, essa luta secreta é narrada em “La Mano di Gloria” de uma perspectiva emocional, uma reacção que simultaneamente popular e aristocrática, liderada por uma minoria atenta que tem como único fito a libertação dos indivíduos cidadãos europeus do jugo económico-financeiro que à sua imagem condicionou a verdade, a vida quotidiana e até o ar que respiramos. Em certos momentos e de uma forma estranha e indirecta, “La Mano di Gloria” traz-nos à memória o álbum “Megalopolis” do franco-líbio Herbert Pagani, lançado em 1972, embora esse tivesse uma carga irónica muito mais forte. Os IANVA e a sua elite justa e libertadora não gastam tempo com jocosos jogos de palavras e revolucionariamente vão directos ao assunto.
Para encontrar a atmosfera certa seria necessário abandonar o rigor histórico e entrar nos domínios da ficção – mas como nos provam algumas imagens mediatizadas nos dias que correm, a realidade consegue ser mais atroz e alienígena que a ficção. O terror imposto no futuro por uma oligarquia iluminada, tema que fazia já parte da novela homónima escrita também pelo punho de Mercy, motiva então essa guerrilha, cerebral e física, levada a cabo por um punhado de gente brava que algures na Itália obscura do futuro, oriunda de diferentes contextos ideológicos e culturais mas partilhando o mesmo destino, enfrentam o poder instituído com armas de pura sublevação estética.
Não se pense que estando em presença de mais um álbum conceptual se perde pelo facto de não haver unidade nas canções – tal como isso não aconteceu antes, não acontecerá aqui, aliás, como não tem acontecido com outros nomes importantes e dominadores da cena neo-folk orquestral europeia, bastando pensar no caso dos luxemburgueses ROME. À parte essa dúvida, eleva-se o fulcro patriótico libertário que é o elemento precioso da demanda – a eterna Itália, com as suas paisagens e as suas artes, dois tesouros que permanecem monumentais entre o estado de desolação social e o vazio imperial da burocracia do poder, dividida algures entre Bruxelas e Berlim.
Por assim dizer, e pelo grafismo pétreo da capa de “La Mano di Gloria”, o álbum mais parece um fresco do estado atual e das complicações futuras que enredarão inevitavelmente os países europeus menos ligados à oligarquia bancária que já agora manda nos nossos destinos – e não é por pintar um quadro gradualmente mais negro que os IANVA acusam qualquer nota de derrotismo ou sinal de cansaço. Até mesmo na frente musical este novo disco do colectivo genovês de nove elementos, é imponente, onde pontificam, como nunca, os metais de sopro, os violinos, a voz de Mercy e de Stefani D’Alterio, e uma secção rítmica de verdadeira orquestra, que salvaguardam o outro lado marcial da música de IANVA, nunca temendo aproximar-se do arcano melodrama italiano oitocentista, até como prova identitária cultural. Como se sabe, a mão que puxa na sombra os cordelinhos do jogo que vivemos pode, aparentemente, incentivar para fins turísticos tal dimensão, mas na prática será essa mesma prova um perigoso acto contra a globalização que os nossos políticos nos convidam a abraçar de corpo e alma.
A principal nota de inovação neste novo trabalho dos IANVA, reside no facto de toda a trama se passar no futuro, obrigando o ouvinte a um pequeno exercício e leitura, já que não dominará os referentes históricos como nos discos anteriores, o que na prática constitui outro acto de subversão ao obrigar o cidadão europeu minimamente instruído a tomar contacto escrito com a língua de Itália, não de forma compulsiva, mecânica ou laboral, tanto ao gosto dos compadres germânicos, mas de um modo interessado e afetivo, indutor da solidariedade e da empatia com a causa proclamada por estas mãos da glória.
Se retomássemos sinais do passado recente no círculo discográfico em que nos movemos, poderíamos encontrar um paralelo proporcionalmente indireto em “Flowers From Exile” dos ROME – só que esse localizado num passado já conhecido, vivido e acima de tudo já vencido, um dos pesadelos que contribuiu também para a criação do sonho europeu, a horrível guerra civil espanhola e os seus heroicos combatentes republicanos, os quais, mesmo mortos e derrotados, ficaram vitoriosos para a posteridade histórica da libertação dos homens; em “La Mano di Gloria”, essa vitória ainda está, de novo e por mais incrível que pareça, longe demais!